sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Pavilhão 03

Hoje em dia ao lembrar de Pavilhão 03, uma unidade da FEBEM, me lembro de Pavilhão 09, detenção, presidio, e com muita facilidade vejo tamanha semelhança entre um e outro, pois mesmo estando num local para menores abandonados o tratamento dispendido era muito parecido ou pior. Vamos aos fatos.

Ao chegar no colégio era de praxe, os novatos serem ridicularizados, zoados ate´perderem a paciência, e se isso acontecesse, dois ou mais moleques, juntavam e sentavam porrada na gente, era a maravilhosa recepção.

Fila havia para tudo, fila para o banho, fila para o café, almoço e jantar, fila para ir para cama dormir. A fila é bem no estilo exercito, isso é, olhando para a cabeça do colega da frente, e distancia tanto com o menino da frente quanto o que estava no lado, onde mediamos usando a mão esticada tocando o ombro de quem estava na frente e do lado. O alinhamento tinha que ser perfeito, pois sempre passava um funcionario conferindo e dando bordoadas para quem estivesse fora dele.

Tanto no café, almoço e jantar, ficavamos na fila esperando para entrar no refeitório, e quando entravamos ficamvamos ali olhando para a refeição, esperando a ordem para comer, e para segurar os vermes tranquilos na barriga, era dificil, mas quem caia na tentação de tocar ou comer algo, antes do aviso, ou levava umas porradas, cintadas, varadas, pauladas, ou era espulso daquela refeição. Mas quando eramos liberado... que maravilha poder comer, beber, sentir o sabor do alimento, para eu que vivia na rua passando fome, era estar no paraíso, as regras era o que menos importava, o mais importante era o sabor, o cheiro, a barriga cheia.

As roupas eram tecido de roupa de mecanico, duras, grossas, todos iguais, afinal de contas tinham que durar, pois era o governo que nos cuidava.

Fantasticamente era a sala da TV, onde ficamos sentado no chão, assistindo vila sésamo, globinho, desenhos etc. era realmente um mundo fantastico. Olhava do lado e via os olhos de meus amigos brilharem ao ver seus desenhos favoritos.

Seis horas da manhã, lá vinha o funcionário, batendo nas camas , chamando todos para acordarem, os que estavam enrolados em suas cobertas era acordados com um puxão das cobertas para descobri-los, em poucos minutos todos já estavam de pé, alinhado no corredor ao pé da cama. Porém os fudidos, isso mesmo, pois além de menor abandonado pelos pais, sofredores, tinhamos que ser MIJÕES ??? Pois bem, eu também era da turma dos mijões, e todos os dias passava pelo seguinte ritual: Os mijões tinham que ficar pelado, e ao pegar as roupas mijadas, os lençois e cobertas mijados, tinha que enrolar na cabeça, como se fosse um turbante, e desfilar no meio do corredor de crianças, onde todos tiravam um sarro, gritavam, e nos xingava de mijões. No final do corredor um funcionário nos esperava com um varinha na mão para dar uma surra, e depois nos mandava tomar banho gelado. De um lado a galera ria, se divertia, do outro nós os mijões, apanhavamos, eramos humilhados, valorizando nossa revolta pelo mundo em que viviamos. Pensar que mijei na cama até os 11 anos de idade, nem imagino quantas surras levei, mas posso garantir que não foram poucas.

A Loira do Cigarro.

Sempre que falava arrespeito da aparencia da minha mãe, era motivo de chacotas, muita piada, e gargalhadas.

Para o você ter uma idéia em minhas mais remotas lembranças, minha mãe era uma loira, bonita e muito malvada, porém como poderia explicar para os amigos, uma vez que eu sou moreno e tenho olhos puxados de japones. Todos me chamavam de japones, chines ou coisa parecida, agora ter uma mãe loira...kkkk, esse era o eco que soou em meus ouvidos por muitos anos.

O mistério foi desvendado, quando ao pegar o meu processo junto a Secretaria do Menor, soube que a loira era uma mãe adotiva, isso mesmo, uma senhora que trabalhava na USP, morava na rua da consolação, num apartamento...

Eu tinha por volta dos 3 a 4 anos, quando fui adotado pela loira, aparentemente uma pessoa boa, tranquila, muito atenciosa, pelo menos perante a assistencia social, e eu ficava ali calado, pois não acredita em ninguem, e era estranho que alguem iria me tirar do colégio, onde eu vivia com meus amigos, e levar para algum lugar estranho.

Minhas lembranças da loira se resume em sofrimento, pois lembro bem, que não sabia andar direito, minhas pernas davam passadas meio cruzadas, e quando menos esperava lá vinha um cróque na cabeça, e os berros para que eu andasse direito, mas a pergunta é, como é andar direito? o que tem que fazer, que eu não faço? E como doia muito os cróques, caia em pranto e por chorar apanhava mais ainda.

Lembro quando estavamos para sair, me vistia correndo, e calçava a minha botinha, mas não sabia amarra-la, e a loira, toda nervosa, com cigarro empunhado na mão, perdia o controle e o apagava em minhas pernas. Doia muito, gritava, esperneava, chorava, e ela mais dencontrolada ainda, continuava a apagar o cigarro em minhas pernas para aprender a lição.

Todos os dias sofria muito ao ve-la ir embora, e não podia acompanha-la, pois sabia que ficaria ali preso no apartamento e sozinho. Chorava, chorava, e soluçava, e depois de algumas horas chorando, minhas lagrimas secavam, e o meu sorriso aparecia, pois um cãozinho piquenês me fazia companhia, brincava comigo, para superar a sua tristesa de morar só também.

Certa vez fomos viajar para Bauru, na casa da familia dela, em plena rodoviaria da Estação da Luz, meus olhos brilhavam ao ver aquele teto multi-colorido, o dia estava chuvoso, era um verdadeiro temporal, mas o teto... quanta alegria, quanta vida, nunca tinha visto algo tão colorido, tão bonito.

Finalmente uma assistente social, foi me visitar, para saber como estava sendo tratado, e para surpresa dela, me encontrou preso no apartamento, sozinho, e através da janela de serviço, num corredor do prédio, perguntou por minha "mãe", disse a ela que foi trabalhar, ela quiz saber se sempre ficava sozinho, respondi que sim, ai ela pediu para que eu tentasse sair pela janela, o que fiz subindo em um móvel proximo a janela. E ao sair fui levado para o Juizado de menor, onde a Loira foi convocada e perdeu a minha guarda. E fui encaminhado para o Pavilhão 03 na FEBEM.